Jesus, o século está podre.
Onde é que vou buscar poesia?
Devo despir-me de todos os mantos,
os belos mantos que o mundo me deu.
Devo despir o manto da poesia.
Devo despir o manto mais puro.
Senhor Jesus, o século está doente,
o século está rico, o século está gordo.
Devo despir-me do que é belo,
devo despir-me da poesia,
devo despir-me do manto mais puro
que o tempo me deu, que a vida me dá.
Quero leveza no vosso caminho.
Até o que é belo me pesa nos ombros,
até a poesia acima do mundo,
acima do tempo, acima da vida,
me esmaga na terra, me prende nas coisas.
Eu quero uma voz mais forte que o poema,
mais forte que o inferno, mais dura que a morte:
eu quero uma força mais perto de Vós.
Eu quero despir-me da voz e dos olhos,
dos outros sentidos, das outras prisões,
não posso Senhor: o tempo está doente.
Os gritos da terra, dos homens sofrendo
me prendem, me puxam – me dai Vossa mão.
Jorge de Lima
(“Adeus, poesia”: texto integral.
In: Lima & Mendes, 1935: 67)
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