quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Iniciação















Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
...

O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.

Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.

Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.

Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.

Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.


A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não ‘stás morto entre ciprestes.


Neófito, não há morte.



Fernando Pessoa - 23 - 5 – 1932
In Poesia 1931-1935 e não datada , Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas, Madalena Dine, 2006; http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/

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